DIVÓRCIO NO EXTERIOR E SUA EFICÁCIA NO BRASIL

Autores: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná e VALDERIANE SCHIMICOVIAKI, advogada, Pós-Graduada em Direito do Trabalho 


DIVÓRCIO NO EXTERIOR E SUA EFICÁCIA NO BRASIL

 

RESUMO: O presente informativo tem como fim explicitar de que maneira os casamentos e os divórcios, realizados no exterior entre um brasileiro e um estrangeiro, tornam-se válidos e eficazes no Brasil. Para tanto, analisa-se diversos diplomas jurídicos, tais como a LINDB, o Código Civil e o Código Penal, bem como o Portal Consular do Ministério das Relações Exteriores. Por fim, observa-se quais os requisitos e impedimentos para um novo casamento no Brasil sem a homologação do divórcio de união anterior.

 

Palavras-chave: casamento; divórcio; homologação de sentença;

 

Sumário: I. Introdução; II. Do reconhecimento no Brasil; II.a. Casamento; II.b. Divórcio; III. Do novo casamento; IV. Conclusão.

 

I - INTRODUÇÃO

 

Com a globalização, atrelada a maior facilidade de migração de pessoas de um país a outro, relações civis como o casamento e, por vezes consequentemente, o divórcio entre pessoas de nacionalidades diferentes tornam-se cada vez mais comuns. Exsurge-se dessas novas relações, portanto, dúvidas quanto a validade e a eficácia de casamento e divórcio no Brasil, quando tais atos são realizados em território estrangeiro.

Muito embora as legislações brasileiras sejam analíticas, presumidamente completas, as Leis que tratam sobre a questão em tela são bastante antigas, muitas vezes não conseguindo dirimir as controvérsias que se apresentam na realidade fática, especialmente em se tratando de situações que esbarram nos limites territoriais, uma vez que as partes são de nacionalidades diversas. Por isso, a solução para estes conflitos também são encontradas na doutrina e jurisprudência, as quais nem sempre entendem a mesma matéria em uníssono.

 

II - DO RECONHECIMENTO NO BRASIL

 

II.a - CASAMENTO

 

Antes de qualquer divórcio, por óbvio, há o casamento. E, quando ele se realiza no exterior, é reconhecido no Brasil? Sim, o casamento no exterior é imediatamente válido no Brasil.

Isso significa que o mero ato do casamento, mesmo em solo estrangeiro, já transforma o estado civil do nubente (de solteiro para casado), de modo que é assim que a pessoa deve se apresentar. Para a jurisdição brasileira, portanto, há o reconhecimento do matrimônio - o que, no entanto, não significa dizer que o mero ato já produz efeitos jurídicos. Dessa maneira, a ocultação do novo estado civil incorre em crime de falsidade ideológica, tipificado no art. 299 do Código Penal.[1]

Assim, o casamento é imediatamente válido, mas não eficaz. O Portal Consular do Ministérios das Relações Exteriores explica:

 

O casamento celebrado por autoridade estrangeira é considerado válido no Brasil. Para produzir efeitos jurídicos no País, deverá ser registrado em Repartição Consular brasileira e, posteriormente, transcrito em Cartório do 1º Ofício do Registro Civil do município do seu domicílio no Brasil ou no Cartório do 1º Ofício do Distrito Federal. A transcrição deve ser efetuada preferencialmente na primeira oportunidade em que um dos cônjuges viaje ao Brasil ou no prazo de 180 dias a contar da data do retorno definitivo ao País.

 

Nota-se que, destarte, para o casamento se tornar eficaz, isto é, produzir efeitos legais, há a necessidade de transcrição e registro nos Ofícios competentes. Tudo isso em um prazo de 180 dias a contar da data do retorno definitivo ao Brasil, como manda o Código Civil:

 

Art. 1.544: O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1 Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.

 

Para tanto, o casal deve providenciar para o registro vários documentos, elencados pelo Ministérios das Relações Exteriores.[2] Pode-se questionar o porquê da necessidade desse registro, diante de toda a burocracia, já que é válido o casamento mesmo sem registro. É para a escolha do regime de bens a ser aplicado, uma vez que em certidões de casamento internacionais pode simplesmente estar silente esta questão, ou aplicado o regime convencional daquele país. No Brasil, por exemplo, não se escolhendo o regime, aplicar-se-á o regime de comunhão parcial de bens, conforme regra o art. 1.640 do CC.

 

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

 

Trata-se, portanto, de garantir maior segurança ao casal em relação aos seus bens em caso de eventual divórcio e, dependendo do caso, também na sucessão de tais bens. Veja-se que existe uma relativa facilidade para esse registro, não dependendo de trâmites judiciais ou de altos custos para a tradução juramentada dos documentos. Isso se dá em função da Convenção da Apostila de Haia, a qual garante o mútuo reconhecimento de documentos brasileiros no exterior e de documentos estrangeiros no Brasil. Claro, desde que feito por notário público e entre países signatários da Convenção - do qual o Brasil faz parte desde 2015.

 

II.b - DIVÓRCIO

 

O divórcio, por sua vez, para seu reconhecimento, validade e eficácia no Brasil, é necessário passar pelos trâmites judiciais. É bastante claro, ainda que antigo (1942), o art. 7º, § 6º, da LINDB:

 

Art. 7o  A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

§ 6º  O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.

 

Assim, para que seja reconhecido o divórcio, há a necessidade do Superior Tribunal de Justiça homologar a sentença de divórcio - ao menos um ano após a decisão no estrangeiro -, a fim de que produza efeitos jurídicos. A competência é do STJ por força do art. 105 da Constituição Federal, após a Emenda Constitucional nº 45 de 2004:

 

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

 

Sendo homologada, a execução da sentença novamente está adstrita a LINDB, mais especificamente em seu art. 15, no qual coloca requisitos:

Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Apenas realizando esses passos que o estado civil dos ex-cônjuges passará de casados para divorciados. No entanto, existe a possibilidade ainda de, ao invés de homologar sentença estrangeira, realizar outro divórcio de acordo com as leis brasileiras. Ensina Yussef Cahali:

 

não homologada a sentença estrangeira de divórcio, subsiste na sua eficácia o vínculo matrimonial de modo a possibilitar que os cônjuges aqui domiciliados postulem a dissolução do vínculo matrimonial segundo a lei brasileira, embora já divorciado o casal no estrangeiro.[3]

 

Note-se, aqui, a importância do registro do casamento alhures comentado. Para ambas as opções - homologação pelo STJ e divórcio diretamente no Brasil -, elas somente são possíveis se existir um registro de casamento prévio, afinal, sem casamento não há que se falar em divórcio: aquele é necessariamente anterior a este. Do contrário, não havendo o registro, haveria antes de se registrar o casamento para conseguir realizar o divórcio.

 

III - DO NOVO CASAMENTO

 

Neste particular, quanto a um novo casamento, o reconhecimento do divórcio no Brasil é ainda mais essencial, quiçá requisito. Isso porque um novo casamento, sem o devido divórcio, configura crime de bigamia, tipificado no art. 235 do Código Penal.[4] As restrições são dadas também na esfera civil, segundo art. 1.521 e 1.548 do Código Civil.[5]-[6]

Nesse sentido, o que aconteceria em caso de novo casamento sem a homologação do divórcio? Quanto a isso, existe divergência doutrinária e jurisprudencial. Há quem acredite que o novo casamento torna-se válido, porém ineficaz; por outro lado, há quem acredite que seja simplesmente nulo. Os maiores doutrinadores de Direito Internacional Privado, todavia, tendem a concordar com a primeira tese. Pontes de Miranda, por exemplo:

 

Se a pessoa foi divorciada no estrangeiro e se casou no Brasil sem ter havido homologação da sentença estrangeira por ser domiciliada no Brasil, não é nulo o casamento, mas sim ineficaz no Brasil; faz-se eficaz desde que se dê a homologação.[7]

 

O art. 32 da Lei de Registros Públicos[8] também dá a entender que o casamento será válido no Brasil, desde que os nubentes, no local onde foi celebrado o ato, estivessem desimpedidos para tal. Assim, por exemplo, se nos EUA um brasileiro divorciado lá e uma estadunidense solteira se casassem, tal casamento seria válido no Brasil por os nubentes estarem desimpedidos de casar nos EUA.

Veja-se que até o Manual Consular parece dar o entendimento de que o novo casamento será válido, mas ineficaz, ao colocar "quando tiverem de produzir efeitos no país":

 

4.1.4 A Autoridade Consular deverá instruir os interessados sobre a necessidade de fazerem transcrever, no Brasil, os Registros de Nascimento, Casamento ou Óbito, realizados no exterior, em Cartórios do 1º Ofício do Registro Civil do domicílio do registrado, ou no Cartório do 1º Ofício do Registro Civil do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeitos no país

 

Sendo assim, não haveria crime de bigamia caso o brasileiro que não homologou sentença de divórcio estrangeira contraísse novo casamento. Faz coro a este entendimento, de a homologação ser mera formalidade, o TJ-SP, em renomado precedente:

 

Casamento – Nulidade – Bigamia – Inocorrência – Casamento de estrangeiro no Brasil, antes da homologação da sentença estrangeira, que anulou o primeiro casamento no exterior – Condição de não casado ao tempo do segundo matrimônio – Formalidade da homologação que, no caso, pode ser suprida a posteriori – Nulidade absoluta do artigo 183, VI, do CC [art. 1.521, VI, do CC/2002].

 

Por outro lado, o mesmo tribunal já julgou de maneira diversa, demonstrando não ser pacificado o tema nem no próprio tribunal, quem dirá na jurisprudência pátria:

 

3ª Câmara do TJSP: Casamento – Anulação – Bigamia – Cônjuge varão casado e divorciado no estrangeiro – Sentença não homologada pelo STF [hoje STJ] – Invalidade do casamento contraído em segundas núpcias no Brasil – Arts. 15, e, da Lei de Introdução ao CC, 483 do CPC e 102Ih, da Constituição da República [art. 105, I, i, da CF/88].

 

Desta feita, verifica-se que os grandes nomes da doutrina do Direito Privado concordam da ineficácia, mas validade do novo casamento. Em que pese a jurisprudência, embora não sejam muitos os julgados acerca desse tema, os que existem demonstram divergência de entendimento. Nesse sentido, para evitar ficar à sorte do julgamento dos tribunais, melhor a realização do divórcio, seja por homologação, seja diretamente à lei brasileira.

 

IV - CONCLUSÃO

 

Vê-se que o tema é bastante complexo. Primeiro, por não ser algo corriqueiro às portas do Judiciário. Segundo, porque esbarra nos limites territoriais, tendo que lidar com diferentes jurisdições. No entanto, a questão dos casamentos e divórcios realizados no exterior e sua eficácia e validade no Brasil não encontra completo vácuo legislativo. Verificou-se que o casamento é imediatamente válido, porém ineficaz se não registrado em Ofício competente no Brasil. O divórcio, por sua vez, depende de passar pelos caminhos judiciais para se concretizar e ter efeitos no Brasil. Um novo casamento sem o divórcio homologado no país, por fim, não apresenta consenso quanto a sua configuração em crime de bigamia, ou quanto a sua validade e eficácia.



[1]Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

[2] Os documentos necessários, de acordo com o Portal Consular do Ministérios das Relações Exteriores: a) Formulário de Registro de Casamento devidamente preenchido e assinado pelo declarante, o qual deverá ser um cônjuge de nacionalidade brasileira; b) certidão local de casamento; c) pacto antenupcial, se houver; d) documento brasileiro comprobatório da(s) identidade(s) do cônjuge(s) brasileiro(s); e) documento comprobatório da nacionalidade brasileira do(s) cônjuge(s) brasileiro(s); f) no caso de cônjuge estrangeiro, passaporte ou documento de identidade válido e certidão de registro de nascimento, emitidos por órgão local competente; g) no caso de cônjuge estrangeiro, declaração da parte estrangeira, assinada perante a Autoridade Consular ou com firma reconhecida perante as autoridades locais, de que nunca se casou e se divorciou de um(a) brasileiro(a) antes do atual casamento. h) Comprovante do pagamento da taxa consular por depósito bancário (a ser apresentado apenas no ato da assinatura do termo).

[3] Cahali, Yussef Said, Divórcio e separação / Yussef Said Cahali. – 11. ed. Ver. Ampl. E atual de acordo com o Código Civil de 2002. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.

[4] Art. 235. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

[5] Art. 1.521. Não podem casar: VI - as pessoas casadas

[6] Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: II - por infringência de impedimento

[7] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. VII n° 768, p. 230.

[8] Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular.